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CRBM-3 ENTREVISTA: Professor da UFTM, Siomar de Castro Soares afirma que Bioinformática promete avanços e oportunidades

Uma das mais recentes habilitações biomédicas vem avançando nos últimos anos por causa das novas tecnologias

Siomar Castro professor UFTM Crédito Manuella Caputo ABC

Professor Siomar de Castro Soares é referência em Bioinformática e autor de livro (Foto: Divulgação) 

Uma rápida pesquisa geral no Google Acadêmico – plataforma on-line de busca por artigos acadêmicos e científicos – e é possível identificar dezenas de publicações assinadas pelo biomédico Siomar de Castro Soares. Professor de graduação nos cursos de Biomedicina e Medicina e de pós-graduação Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), doutor em Genética e em Bioinformática pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o biomédico lançou no ano passado um livro sobre Vacinologia Reversa, um método que tem início em análise computacional. Para saber mais clique no link: https://www.uftm.edu.br/ultimas-noticias/5627-professor-da-uftm-publica-livro-sobre-vacinologia-reversa

Para ele, a Bioinformática é “multidisciplinar por essência”. Isso favorece a profissão biomédica, já que a Biomedicina é uma profissão também considerada interdisciplinar. Em conversa com o CRBM-3, o professor Siomar trouxe detalhes sobre a habilitação, cuja regulamentação pelos Conselhos de Biomedicina ocorreu em abril de 2022. Confira abaixo a entrevista:

Sobre a Bioinformática, como definir essa especialidade que é uma das habilitações da Biomedicina?

A bioinformática é uma área recente criada por Paulien Hogeweg e Ben Hesper, em 1970, que visa unir análises Matemáticas, Físicas e Químicas para desvendar a Biologia utilizando processamento computacional. Com o avanço da tecnologia e o advento de novos equipamentos que geram uma grande quantidade de dados relacionados a experimentos biológicos em todas as áreas da Biologia, tem se tornado cada vez mais impraticável obter informações sem a utilização de programas de computador cada vez mais sofisticados e que unam todas as áreas citadas acima. Com isso, a Bioinformática vem ganhando espaço em análises, principalmente, das ditas Ciências Ômicas, que envolvem a análise de DNA, RNA, Proteínas e Metabólitos utilizando a Genômica, Transcriptômica, Proteômica e Metabolômica, mas não se restringindo apenas a essas áreas.

Quais oportunidades esta área poderá proporcionar ao biomédico?

A área de Bioinformática possibilita a descoberta de como funciona um organismo ou até mesmo uma comunidade, em nível biológico, diminuindo o tempo gasto em pesquisas e possibilitando um direcionamento para novas pesquisas realizadas in vitro e in vivo, o que se traduz na descoberta de novos medicamentos, vacinas, perfil de resistência a antibióticos, perfil epidemiológico de um determinado patógeno, dentre outros. No caso de vacinas, por exemplo, a disponibilidade da sequência genômica de patógenos em bancos de dados públicos de genomas on-line possibilita a escolha de genes codificantes de proteínas de interesse que podem ser utilizadas como alvos vacinais encurtando em anos ou décadas a descoberta destes em experimentos in vitro e direcionando essas proteínas para testes in vivo, como visto na abordagem de Vacinologia Reversa (acesse aqui para saber mais). Por fim, com relação à sua multidisciplinaridade, a área proporciona ao biomédico a possibilidade de atuar com diversas áreas diferentes e, com isso, estudar a biologia de um organismo como um todo além de possibilitar consolidar conhecimentos de outras áreas e manter colaborações com pesquisadores com projetos diversos.

Podemos afirmar que está diretamente relacionada à Genética?

A área de Bioinformática encontra-se frequentemente relacionada à Genética e Biologia Molecular, devido às Ciências Ômicas, mas não se restringe somente a essas áreas, sendo, como citado acima, multidisciplinar por essência. Como exemplo, pode ser utilizada para analisar organismos patogênicos em uma abordagem voltada para Microbiologia e Parasitologia, para recriar vias metabólicas de diferentes organismos em um contexto Bioquímico, para realizar análises de imagens de Patologia e Radiologia e também para simular uma resposta imune a um determinado imunógeno, dentre outros.

E onde entra e inteligência artificial nesse contexto?

Dada a grande quantidade de dados gerados citada anteriormente, a inteligência artificial permite treinar modelos para a identificação de padrões não perceptíveis a olho nu ou com métodos tradicionais, diminuindo drasticamente o tempo necessário para realizar a análise de perfis e identificar a causa de diferentes doenças, por exemplo. Um exemplo recente é o caso do software Alphafold, que foi responsável pela premiação com o Nobel de Química de seus criadores John Jumper e Demis Hassabis, em 2024. O software utiliza inteligência artificial para analisar a sequência de aminoácidos de uma proteína e recriar sua estrutura tridimensionalmente com alta fidelidade, possibilitando a posterior análise de interação desta proteína com diversos fármacos que possam ser utilizados para tratar doenças.

Ainda temos poucos biomédicos inscritos no Conselho atuando nessa área. Na sua opinião, o que dificulta a popularização (se é que esse termo pode ser usado), da Bioinformática como uma opção para o biomédico?

Existem possivelmente dois fatores relacionados. O primeiro seria o fato de ser uma área recente e ainda não contar com cursos de pós-graduação em todas as universidades no momento e, tampouco, estar incluso na grade de graduação da maioria das universidades, ficando mais restrito à pós-graduação. O segundo, que também está relacionado ao fato de ser uma área recente, se deve ao fato de que as patentes e tecnologias geradas ainda estão em processo de translação para os laboratórios de análises clínicas. Já existem vários kits de sequenciamento para a identificação de doenças oncológicas, como o oncomine, metabólicas, cardiológicas, dentre outras no mercado, mas que são mais utilizados ainda na área de pesquisa em comparação aos laboratórios de análises clínicas até mesmo pelo alto custo. Contudo, a cada lançamento de uma nova tecnologia, os preços e o tempo para a realização destas análises têm diminuído progressivamente, o que vai possibilitar que mais laboratórios de análises ômicos apareçam, levando a um diagnóstico mais acurado e possibilitando, inclusive, o progresso da área de medicina de precisão, que visa à identificação do melhor tratamento para cada indivíduo separadamente, levando em conta o perfil genético deste utilizando abordagens de farmacogenômica, por exemplo. A medicina de precisão tem cada vez mais ganhado espaço devido à diminuição de efeitos colaterais ou falhas no tratamento visto que a resposta ao tratamento pode ser identificada para cada indivíduo antes mesmo do início deste.

Que novidades tecnológicas ou outras podemos destacar dentro dessas habilitações?

A área de Bioinformática vem avançando rapidamente com novas tecnologias nos últimos anos. Um exemplo clássico utilizado é o sequenciamento do genoma humano que durou de 1990 a 2003 utilizando as antigas tecnologias de sequenciamento, mas que hoje pode ser realizado em apenas 1 dia utilizando as plataformas de sequenciamento de nova geração. Para se ter uma ideia, existiam aproximadamente 1000 projetos de genomas cadastrados no banco de dados de genomas online (GOLD) até 2003 e hoje este número já está em 583 mil 147. Em uma busca rápida pelo site do NCBI é possível encontrar genomas para os mais diversos organismos disponíveis publicamente e começar a realizar análises de bioinformática no computador pessoal sem a necessidade de grandes gastos com experimentos. Além disso, já é possível levar um sequenciador do tamanho de um pen drive para o campo (nanopore - técnica de sequenciamento que aumenta em milhões de vezes a capacidade de análise) e realizar o sequenciamento do genoma de qualquer organismo em tempo real. À medida em que a tecnologia avança, mais e mais dados serão gerados a um custo cada vez menor, possibilitando um salto nos diagnósticos e tratamentos sem precedentes. O único desafio no momento é fazer a translação dessas metodologias da pesquisa para as análises clínicas e para a medicina em si, levando o conhecimento dessas metodologias e de suas vantagens para o corpo clínico dos hospitais para que possam recomendar a realização destes.

Outros comentários sobre o assunto...

Uma dúvida recorrente da área de Bioinformática é quem pode atuar na área. Apesar de normalmente as formações mais frequentes serem Biologia, Biomedicina e Informática, visto que a Bioinformática é multidisciplinar, existem pessoas com as mais variadas graduações atuando na área, como químicos, engenheiros, matemáticos, dentre outros. Os cursos de pós-graduação normalmente ofertam disciplinas voltadas tanto para a área biológica, quanto para a área de computação, visando formar profissionais que tenham expertise em ambas as áreas. Além disso, é comum que profissionais da área de saúde tenham um pouco de receio quanto a cursar um curso da área a princípio devido às disciplinas de programação. Contudo, existem áreas da Bioinformática mais voltadas para as análises utilizando softwares existentes e que dispensam um conhecimento profundo de programação. Acredito que à medida que as disciplinas de Bioinformática forem implantadas nos cursos de graduação de mais universidades, o contato do aluno com a área tenderá a diminuir esse tipo de estigma e a atrair cada vez mais profissionais para essa área em franca ascensão (IMPRENSA CRBM-3).